6 de novembro de 2012

Entrevista do Prof. Mauricio Faganelo sobre Marketing Rural - Tribuna Agronegócio


Do Jornal Tribuna Agronegócio - Goiás - 04/11/2012
Por: Gabriela Guimarães
O economista e professor universitário Mauricio Faganelo dedica parte dos seus estudos e atuação ao tema marketing do agronegócio. Ele aponta as principais etapas para o planejamento e gestão das propriedades rurais e frisa que, sem organização, o produtor rural se torna incapaz de crescer
Tribuna Agronegócio – Como surgiu seu interesse pelo marketing do agronegócio?
Mauricio Faganelo – Minha primeira experiência com agronegócio foi com o camarão cultivado. Na oportunidade, tive uma ideia melhor de como funcionava a cadeia produtiva de comercialização dos produtos agrícolas. Não é algo simples. Em termos de marketing no produto agrícola, dependendo do tipo de produto, há algumas dificuldades por não termos canais específicos para distribuição. O produtor de leite hoje, por exemplo, fica na mão da cooperativa, tendo em vista que não compensa mandar para outra que pague mais e seja distante, já que o frete fica inviável. Quando há muitos pequenos produtores, eles ficam nas mãos dos grandes compradores.

O que diferencia o marketing do agronegócio em relação ao que está voltado para outros setores?
Quando comecei a mexer com o agronegócio percebi que não era muito diferente de outras indústrias. Agronegócio é o primeiro produto que foi vendido na história, quando as pessoas saíam de Portugal para a Índia para comercializar mercadorias agrícolas, as especiarias. A essência do comércio é o agronegócio; somente depois que o mundo passou a industrializar. Um erro é que pensamos o agronegócio voltado apenas para o mercado de consumo alimentício, mas existem outras aplicações de produtos agrícolas que são para atividades industriais. Exemplo é a mandioca, pois grande parte da produção desta cultura é para fazer o amido, que vai originar a cola.

O que é considerado marketing do agronegócio?
O primeiro ponto a se considerar é que marketing não é propaganda. A propaganda é um dos compostos do marketing. Devemos focar no preço e, principalmente, montar o produto, estabelecer o canal de distribuição e, por último, fazer a propaganda. O marketing rural segue a mesma linha. Existe pouca literatura voltada para o assunto. O termo marketing rural é antigo e fraco. Principalmente em uma região como Rio Verde. Por isso, adotamos o termo marketing do agronegócio, que é mais ampliado e envolve tudo que é preciso estabelecer para colocar o produto no mercado.

Quais são as linhas de análise do processo de marketing?
A primeira são os produtos, em que a composição dos preços de venda é baseada no mercado internacional. Exemplos da soja, milho, trigo e todas as commodities, que são estabelecidas baseando-se em bolsa. Já que o preço do produto tem como referencial o mercado internacional, o produtor precisa se preocupar cada vez mais em olhar os custos que devem ser mais baixos, assim como a distribuição. Ele precisa produzir com nível de qualidade internacional, mas com custos competitivos. Não é possível se ter um produto de alta qualidade a custo muito baixo; isso é lenda. Quem quer produzir algo melhor tem que investir numa estrutura para oferecer ao mercado um produto melhor. Com isso, o foco do produtor deve ser o custo; o mercado é que comanda o preço de venda.

Hoje se tem a máxima de que “da porteira para dentro, o produtor é bom”... 
Mas nem todo produtor é tão bom assim. Alguns precisam deixar o modelo antigo de fazer gestão de negócio baseado no papel do pão, anotando em caderninho. Deve haver uma gestão informatizada e bem administrada da propriedade rural. A agricultura hoje é de precisão, então ele não pode se ver mais como produtor familiar. Ele é uma empresa, tem que encarar o negócio como uma indústria. Isso já serve para o pequeno que está se transformando em médio. É preciso organizar para crescer.

De que forma o marketing auxilia essa organização?
Pela gestão controle e modelo de gestão. Esse modelo de gestão já é aplicado em muitas universidades. Afirmo pelo fato de ser professor do IF Goiano. Dou aulas de gestão de negócio para os alunos de agronomia e zootecnia, e sempre explico como montar esse plano de negócio. Hoje os alunos saem da universidade com o conceito de que eles precisam fazer negócio e ganhar dinheiro. Aquela visão do romântico não existe mais. A visão que se tem hoje é do homem que faz negócios; o produtor rural é dono de uma indústria. O marketing rural, por ser uma indústria, tem que usar esses modelos de negócio de indústria. Formas que têm mais de 50 anos de história. Os primeiros modelos de gestão que o governo federal incentiva foram implantados pela Toyota nos anos 50, no Japão, e os americanos copiaram na década de 80. De 10 anos para cá, a partir do boom do mercado interno brasileiro, passamos a ter que implantar isso também por aqui. Sem uma boa gestão interna, o produtor não vai alcançar uma competitividade em nível internacional. Não adianta falar que produz muito, se não produzir direito. Hoje o produtor está muito preocupado em melhorar a quantidade, porque isso lhe dá resultado. Já estamos atingindo níveis de produtividade muito bons, mas agora o diferencial para o produtor, o marketing, que é o fazer negócio, não vai ser mais focado apenas na quantidade oferecida ao mercado. O destaque é para quem faz o produto com qualidade.

E quando o assunto é a agroindústria?
Aí chegamos à segunda cadeia, que vai usar o insumo da primeira de grãos e nessa etapa incluímos granjeiros, indústrias processadoras de soja, transformando o grão em óleo e farelo. A Comigo está investindo milhões em uma estrutura nesse sentido e, na década de 80, foi ela quem montou a primeira fábrica de farelo de soja. Na nossa região estamos em um ponto que nós não somos mais somente produtores de grãos de commodities. Agora o produtor tem que utilizar ferramentas de gestão para melhorar o seu processo. O Sindicato Rural e a Faeg têm feito trabalhos fantásticos. O Alexandre Câmara, do Sindicato, é um exemplo na capacitação de pessoas, indo nas universidades e conversando com o público. Esses trabalhos têm feito com que o Sindicato Rural de Rio Verde virasse referência dentre os demais sindicatos do País. Estamos no lugar certo, mas o que precisa agora é que o produtor, os empresários do setor do agronegócio, se conscientizem que não cabe mais uma estrutura de administração simplesmente familiar. Aquele simplismo, para crescer, não adianta mais. Ele precisa se adaptar a um novo modelo. Exemplo é a falsa ideia de que produtor rural não acessa a internet. Mentira, se ele não olha, pede para o filho olhar e já leva o filho para se envolver com o negócio. Não é mudar toda estrutura de uma só vez, mas o bastão tem de ser passado aos poucos. O produtor que já faz negócio há muito tempo tem que entender que é preciso trazer novos modelos de gestão, e isso fecha o ciclo da porteira para dentro.

E da porteira para fora?
Aí um dos principais pontos não é só o marketing, é a comercialização. É saber de que forma fazer com que o produto que sai da propriedade chegue até o cliente, ao consumidor final, quais são os caminhos. Um dos maiores exemplos que temos no mundo é da produção da agroindústria de café da Colômbia. O Brasil era até então o melhor produtor de café do mundo, desde 1808. Mas, apesar de grande produtor, o País não tinha conseguido colocar o selo de qualidade, que é o que garante para o cliente que ele está comprando um produto bom, que o processo é certificado. Por exemplo, existem somente duas indústrias na cidade que são certificadas pelo Ministério da Agricultura para poder exportar carne de suínos e aves; só elas têm o selo Sif [Serviço de Inspeção Federal] por estabelecerem modelos de gestão de produção. A BRF está tão atenta ao mercado que tem estruturas para atender os clientes do Oriente Médio, com a granja e o abate voltados para Meca. Tudo isso é marketing; ela está vendo o mercado consumidor, se adequou e detectou quem estava comprando determinado produto, vendo que existia demanda e era viável financeiramente.

Como o sr. avalia o marketing do agronegócio no País e na região Sudoeste?
Estamos na mesma linha do que tem sido feito nas práticas atuais de mercado. O que podemos fazer é criar um grupo, uma organização de pessoas voltadas para entender os processos de comercialização para realmente virarmos referência. Viramos referência em quantidade, com maior PIB do País e vários outros pontos; mas, e aí? A qualidade é tão boa? A quantidade nós já conseguimos, a eficácia também; mas e a eficiência? Estamos muito bem em volume, porém não podemos nos sentir confortáveis. Quem busca excelência não pode ficar acomodado; não podemos nos dar por satisfeitos.

De que forma o marketing rural auxilia na tomada de decisão e no planejamento?
Se falássemos em planejamento em longo prazo há 15 anos, as pessoas criticariam, dizendo que não existe planejamento para nem cinco anos no Brasil. Mas vejo que tem que se ter um modelo em que a iniciativa privada e instituições governamentais, assim como produtores rurais, saibam o seu papel de cada um no processo. Não adianta apenas o dinheiro voltado para o setor; é preciso um plano de ação montado para saber onde estamos e como chegar aonde queremos, estabelecendo roteiros. Para fazer planejamento tem que ser passo a passo e envolver todos os pontos da cadeia. Não é importante só para o setor agrícola. Em Rio Verde, se o agronegócio tem uma queda, todo mundo perde, o comércio fica fraco. A dependência do comércio é muito forte e temos que entender todo esse processo para que a cidade cresça de forma sustentável, não só o município como também a região. Temos que gerenciar riscos, sendo uma ferramenta para evitar problemas ao longo do caminho.

Na sua avaliação, o marketing rural ainda tem algum desafio?
Acho que o grande desafio é quando conseguirmos colocar um selo de qualidade de boas práticas em todos os setores do agronegócio, como o Iso 9000. Criar um selo de qualidade goiano, com a competição de melhor área em termos de produtividade, mostrando quem conseguiu crescer. Temos que identificar como a propriedade é governada e como age nas situações de mercado. Com isso, o grande desafio é conseguir certificar os bons produtores, os bons granjeiros de suínos, aves; haver prêmios para os que estão se destacando. Algo unificado para padronizar e fazer com que todos sigam esse caminho. O que me preocupa muito no marketing é o desafio logístico. Uma das questões do marketing é o ponto de venda. Hoje, o custo de logística representa 12% do PIB brasileiro. Nosso custo logístico é muito alto; temos que nos preparar, fazer a lição de casa para quando a Ferrovia Norte-Sul chegar. Quando ela estiver na nossa porta, quem estiver na frente em termos de qualidade vai ter caminho certo para ter produto no exterior, vai estar à frente na fila. É o que chamamos em marketing de “diferencial competitivo”, o que faz do seu produto melhor que o do vizinho. Não podemos nos esquecer da imensidão de produtores de hortaliças. O tomate, por exemplo, é uma indústria muito forte em Goiás, sendo que as maiores produtoras e indústrias do mundo estão no nosso Estado. Somos também destaque como maior produtor de melancia do Brasil; então, esses pequenos produtores precisam ser incentivados a participar das práticas. O marketing do agronegócio tem que seguir regras para o negócio crescer.